ELISA RIBEIRO
DA REDAÇÃO
O Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), para manter uma denúncia por "estelionato majorado", com uso de terras públicas da União, supostamente cometido pelo produtor rural Odair Geller. Odair é irmão do deputado federal Neri Geller (PP).
Odair Geller foi denunciado pelo Ministério Público Federal, com base no inquérito da Polícia Federal conduzido na Operação Terra Prometida.
Na primeira instância aconteceu o reconhecimento da prescrição quanto ao crime de estelionato majorado. No momento, Odair Geller é réu apenas por invasão de terras públicas, conforme previsto no artigo nº 20, da Lei nº 4.947/1966. A denúncia foi recebida, parcialmente, em 19 de março de 2021, pelo juiz federal Mauro César Garcia Patini, da Vara Cível e Criminal de Diamantino (208 km ao Norte de Cuiabá).
De acordo com a decisão, o Ministério Público Federal, denunciou, além de Odair Geller, Leandro Algayer, Clarisse Geller de Sousa, Edson Mendonça Meireles, Helena da Silva Meireles, Mareli Conrad, Liara Regina Conrad Battisti e Benedito Santana de Almeida. Segundo o MPF, o grupo denunciado teria invadido os lotes de nº 92, 93, 94, 95, 110 e 183, em um assentamento em Itanhangá (492 km ao Norte da Capital).
Odair e outro irmão do deputado, Milton Geller, chegaram a ser presos pela em novembro de 2014. Foram soltos após obterem habeas corpus no TRF-1, uma semana depois da prisão.
De acordo com a Polícia Federal, os empresários do grupo demonstravam interesse pelos lotes e aliciavam assentados da região, para comprar as terras por valores abaixo do mercado. Quando os assentados não aceitavam assinar um termo de desistência do lote endereçado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o grupo ameaçava os trabalhadores rurais e os expulsava de suas terras. As invasões e o estelionato teriam acontecido entre novembro e dezembro de 2010.
Com relação ao estelionato majorado, o MPF entendeu, na denúncia, que se tratava de um crime permanente, o que aumentaria a possível pena e também o período de prescrição.
O juiz Mauro César Patini destacou que as penas variam entre um ano e quatro meses, até seis anos e oitos meses de prisão.
"Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes, e não de crime permanente como pensa o órgão acusatório, sendo certo que ao delito ora imputado aos denunciados não se pode dar a mesma interpretação conferida pelos tribunais superiores quanto ao estelionato previdenciário, que quando praticado pelo beneficiário é tido como permanente, haja vista não haver o recebimento de prestações continuadas, inexistindo repetição de prejuízos à União", discordou o juiz.
Ao analisar a dosimetria da pena pelo estelionato, o magistrado avaliou que "não se constatam elementos que conduziriam à fixação da pena em patamar superior a 02 (dois) anos de reclusão, aliás, bem acima da pena mínima, que prescreve em 04 (quatro) anos (art. 109, V, do CP)". "Desse modo, desde a data dos fatos até o momento já se escoaram mais de 10 (dez) anos, o que demonstra a improvável eficácia de eventual provimento condenatório contra os acusados, registrando que não há sentença com trânsito em julgado até o momento a permitir a utilização de data anterior ao recebimento da denúncia como marco temporal para o cálculo da prescrição", escreveu Mauro César Patini, em março deste ano.
O juiz extinguiu a punibilidade de todos os denunciados com relação ao crime de estelionato majorado. A denúncia foi recebida apenas contra Odair Geller, pela invasão de terras públicas.
O Ministério Público Federal entrou com o recurso no próprio órgão, no dia 19 de outubro, para manter também a denúncia por estelionato.
Entenda o Caso
Em 2010, a PF instaurou um inquérito policial após tomar conhecimento de denúncias via imprensa sobre irregularidades na concessão e manutenção de lotes destinados à reforma agrária. Dentre os alvos, estavam oito servidores públicos.
A investigação apontou, no entanto, que o esquema era muito maior e tinha forte atuação na região das cidades de Lucas do Rio Verde (MT) e Itanhangá (MT). A Polícia Federal informou que a organização criminosa cometeu crimes de invasão de terras da União, contra o meio ambiente, falsidade documental, estelionato, corrupção ativa e passiva. As penas podem chegar a até 12 anos de reclusão.
Operação
O grupo criminoso usava da força física e até de armas para comprar a baixo preço os lotes de terras da União. Caso não conseguissem, invadia e tomava posse dessas áreas. A fraude chegou até R$ 1 bilhão em negócios agrários.
Depois, com a ajuda de servidores corrompidos do Incra, integrantes de entidades de classe, servidores de Câmaras de Vereadores e de prefeituras municipais, tentava regularizar a situação do lote.
De olho em legitimar a reconcentração de terras da reforma agrária, usou documentos falsos, fez ações de vistoria simuladas, fraudou termos de desistência e dados no Sipra/Incra (Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária).
Os grandes latifundiários da região envolvidos no esquema, de acordo com a PF, assim como grupos de agronegócio e até empresas multinacionais ocupavam essas terras de forma ilícita.