PAULA VALÉRIA
DA REDAÇÃO
Em 2023, a violência contra os povos indígenas no Brasil continuou a ser uma questão grave e persistente. Este ano foi marcado por uma série de ataques aos direitos indígenas e um número limitado de avanços na demarcação de terras. Vários incidentes de violência física, invasões de terras e conflitos agrários continuaram a ameaçar as comunidades indígenas, exacerbando a já precária situação de muitos desses povos.
Infelizmente, os ataques aos direitos dos indígenas também se manifestaram em discursos políticos e em medidas legislativas que visavam enfraquecer a proteção das terras e dos direitos desses povos. As comunidades indígenas continuaram a enfrentar ameaças não apenas de violência física, mas também de políticas que buscavam explorar economicamente seus territórios sem o devido respeito aos seus direitos e à sua autonomia.
De acordo com informações que constam no relatório “Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2023”, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano passado, o estado do Mato Grosso registrou 21 casos de conflitos relativos às disputas por terras indígenas. Esse número representa 14% dos 150 conflitos registrados em todo o país. A maioria desses conflitos envolve comunidades indígenas que estão em luta pela terra há muitos anos, enfrentando pressões constantes, assédio e intimidações.
Esses conflitos frequentemente resultam em ataques armados e violência direta contra as comunidades indígenas. Os episódios de violência são, em muitos casos, o ápice de uma longa série de ameaças e tentativas de deslegitimação dos direitos territoriais dos povos indígenas.
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Terras indígenas em Mato Grosso
A situação das terras indígenas em Mato Grosso ilustra as dificuldades enfrentadas por diversas comunidades devido à omissão e à morosidade na demarcação das terras.
Aldeia Santa Aparecida (Porto Esperidião)
A situação da Terra Indígena Aldeia Santa Aparecida, do povo Chiquitano, localizado no município de Porto Esperidião, no estado de Mato Grosso, exemplifica os graves problemas decorrentes da omissão e morosidade na demarcação das terras indígenas. A demora na demarcação tem deixado a população em situação de extrema vulnerabilidade, enfrentando ameaças constantes e diversas práticas de violência.
Conforme relatado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o cacique da comunidade Chiquitano está sob um programa de proteção devido às denúncias que fez sobre abusos e crimes cometidos contra seu povo. Essa proteção é crucial, pois aqueles que levantam a voz contra injustiças frequentemente se tornam alvos de represálias.
A falta de demarcação efetiva e a invasão das terras indígenas por fazendeiros têm levado as comunidades a uma situação crítica. As invasões resultam na cerca de territórios, incluindo áreas essenciais como lagos, dos quais as comunidades dependem para seu sustento.
Sem acesso à terra, os Chiquitanos não conseguem plantar suas roças, comprometendo gravemente sua soberania alimentar. Essa falta de terra disponível para cultivo coloca a subsistência da comunidade em risco, exacerbando a insegurança alimentar e a vulnerabilidade socioeconômica.
Terra Indígena Batelão (Tabaporã)
Na Terra Indígena Batelão, os indígenas Kayabi enfrentam invasões constantes por parte de fazendeiros e madeireiros. Mesmo com a identificação das terras ocorrendo desde 2007, a falta de medidas efetivas de demarcação tem permitido a exploração ilegal dos recursos naturais da região. Essas invasões não apenas violam os direitos territoriais dos Kayabi, mas também causam danos ambientais significativos, prejudicando o modo de vida tradicional da comunidade.
Terra Indígena Jarudori (Poxoréu)
Em Jarudori, o povo Bororo enfrenta uma situação semelhante. A área reservada para os Bororo durante o período do Marechal Rondon tem sido alvo de esbulho durante anos devido à titulação de terras pelo Governo de Mato Grosso. A situação encontra-se judicializada, com a terra invadida por posseiros, o que agrava os conflitos e dificulta o usufruto da terra pelos Bororo. A judicialização e a presença de posseiros tornam a resolução do conflito mais complexa e demorada, deixando a comunidade em uma situação de insegurança e vulnerabilidade.
Governo Lula
O ano de 2023 começou com grandes expectativas em relação à política indigenista do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essas expectativas surgiram não apenas devido à sucessão de um governo anterior que foi amplamente visto como anti-indígena, mas também porque o tema dos direitos indígenas assumiu uma posição central nos discursos e anúncios feitos por Lula durante sua campanha eleitoral e nos primeiros meses de sua nova gestão.
Desde o início do seu mandato, o presidente Lula destacou a importância de proteger os direitos dos povos indígenas e promover a demarcação de terras indígenas como uma prioridade do governo. A retomada de políticas públicas voltadas para a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas foi amplamente esperada, com a promessa de reforçar órgãos de defesa dos direitos indígenas, como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), e implementar medidas eficazes para combater a violência e a invasão de terras indígenas.
Essas expectativas foram alimentadas por um discurso que reconhecia a dívida histórica do Brasil com seus povos originários e pela promessa de um governo mais inclusivo e comprometido com a justiça social e ambiental. A esperança era de que, com Lula, haveria um fortalecimento das políticas de proteção territorial e cultural, promovendo não apenas a segurança e a subsistência das comunidades indígenas, mas também a valorização de suas culturas e modos de vida tradicionais.
A mudança na política indigenista do Brasil em 2023 foi simbolizada pela presença do cacique Raoni, uma histórica liderança Kayapó, na posse do presidente recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Este gesto foi visto como um sinal de compromisso renovado com a causa indígena. A criação do inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a nomeação de lideranças indígenas para a chefia dessa nova pasta, da Funai – renomeada como Fundação Nacional dos Povos Indígenas – e da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) complementaram o ambiente de esperanças renovadas entre os povos indígenas e seus aliados.
Povo Yanomami
Logo no início do ano, a situação do povo Yanomami, que havia sido denunciada de forma recorrente durante anos, causou enorme comoção. Após um longo período de abandono e omissão ativa por parte de governos anteriores frente à presença ilegal de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, a comunidade foi levada ao extremo da vulnerabilidade. Em resposta a essa crise, o governo declarou Emergência Nacional de Saúde e iniciou uma grande operação de desintrusão naquele território.
Essas ações apontaram para uma mudança efetiva na política indigenista do país, demonstrando um compromisso real com a proteção dos direitos dos povos indígenas e com a resolução de problemas graves que vinham se acumulando ao longo dos anos. A retirada de garimpeiros ilegais e a atenção à saúde e ao bem-estar dos Yanomami marcaram um passo significativo na direção de uma política mais justa e inclusiva para as comunidades indígenas do Brasil.