ELISA RIBEIRO
DA REDAÇÃO
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Empresa Cuiabana de Saúde Pública – (ECSP) emitiram nota conjunta nesta sexta (15) para prestar esclarecimentos sobre a falta de pagamento de médicos que são funcionários da empresa Medtrauma, investigada em Mato Grosso por irregularidades no fornecimento dos chamados OPMEs, Órteses, Próteses e Materiais Especiais.
Conforme a nota, todas as atividades da Medtrauma com a Empresa Cuiabana de Saúde Pública foram suspensas em 23 de fevereiro de 2024, e todos os processos foram enviados para auditoria da Controladoria Municipal.
Para resolver a pendência, a diretoria da ECSP informa que está conversando com o Tribunal de Contas de Mato Grosso para conseguir a concordância da Corte de Contas e fazer os pagamentos em atraso diretamente aos médicos, e não para a Medtrauma.
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Entenda o caso
O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), determinou a suspensão imediata, seguida do cancelamento, de todas as adesões de Atas de Registro de Preço e dos contratos relacionados ao fornecimento de Órteses, Próteses e Materiais Especiais (OPMEs) pela Empresa MedTrauma Serviços Médicos Especializados Ltda.
As adesões foram realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde e pela Empresa Cuiabana de Saúde Pública.
A medida foi formalizada por meio do Decreto 10.058/2024, a ser publicado na Gazeta Municipal desta segunda-feira (19). Além disso, o prefeito ordenou a realização de uma auditoria interna em todos os pagamentos efetuados pela Empresa Cuiabana de Saúde Pública à Medtrauma Serviços Médicos Especializados Ltda, intermediados pelo Gabinete de Intervenção do Governo do Estado, no período de 15 de março de 2023 a 31 de dezembro de 2023.
A Secretaria Municipal de Saúde e a Empresa Cuiabana de Saúde Pública deverão priorizar o procedimento licitatório para a contratação de uma empresa especializada no fornecimento de OPMEs ou adotar outro procedimento legal, garantindo a continuidade na prestação do serviço público de saúde à população.
O Decreto menciona como uma das razões para a suspensão as investigações e denúncias feitas pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, que resultaram na Operação Espelho no estado, bem como a recente operação conduzida pela Polícia Federal na Empresa Medtrauma Serviços Médicos Especializados Ltda.
Adicionalmente, o decreto faz referência a uma reportagem veiculada em 18 de fevereiro de 2024, em rede nacional no Programa do Fantástico da Rede Globo de Televisão, que destacou diversas irregularidades praticadas pela Empresa Medtrauma Serviços Médicos Especializados Ltda no fornecimento de OPMEs.
Operaçao da Polícia Federal
A empresa foi alvo da Operação Higeia, deflagrada no dia 2 de fevereiro pela Polícia Federal. Na ocasião, a investigação apura irregularidades nos contratos da empresa com os Governos do Acre, Rondônia e Mato Grosso.
As investigações da Controladoria Geral da União (CGU) apontaram que os Governos de Mato Grosso e Roraima contrataram a Medtrauma por meio de uma ata de registro de preços do Governo do Acre. A ata é um sistema de contratação permitido em lei, que pode acelerar a contratação de algum tipo de serviço.
A reportagem mostrou casos de pacientes ortopédicos que passavam por procedimentos desnecessários. Alguns com fornecimento de próteses acima do preço e outras sem a certificação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
"Não é medicina. É transformar a assistência médica num comércio", resumiu Walter Cintra Ferreira, professor em Gestão em Saúde/FGV.
Em um dos casos, um caminhoneiro de Cuiabá precisava de uma prótese no fêmur. O fornecimento da prótese importada e a cirurgia foram conseguidas após o caminhoneiro obter decisão judicial após ação impetrada pela Defensoria Pública.
A cirurgia ocorreu rapidamente. A surpresa veio quando ele já se recuperava e recebeu outro contato, da Defensoria Pública, afirmando que a prótese importada havia chegado e a cirurgia, enfim, seria marcada. "Falaram que já estava liberada a prótese para operar. Eu disse que já operei e eles falaram, mas como o senhor operou se a prótese está no mesmo local? Aí que eu desconfiei", relatou.
Ao questionar o hospital sobre a prótese recebida, o caminhoneiro recebeu uma nota da empresa Protesis Distribuidora de Implantes Cirúrgicos Ltda, uma das empresas do grupo que faz parte a Medtrauma. "A nota não tinha marca, modelo, validade ou registro da prótese na Anvisa. Informações que são obrigatórias por lei", diz a reportagem.
Os materiais para esta cirurgia custaram mais de R$ 17 mil.
Em Roraima, Maria dos Santos precisou de uma cirurgia para colocar quatro parafusos na coluna. Todavia, no prontuário, é apontado que foram colocados seis materiais.
Além disso, assusta o preço cobrado. No 'mercado comum' ortopédico, cada parafuso tem o custo de R$ 500, o que daria R$ 2 mil. Já para a Medtrauma, além do acréscimo de dois parafusos, cada um deles custou mais de R$ 6,3 mil, fazendo o procedimento custar mais de R$ 37 mil. "Fui usada para arrecadarem mais dinheiro", lamentou Maria.
Também em Roraima, um paciente de nome Sebastião, sofreu uma lesão grave na perna direita após um acidente de moto, necessitando de cirurgia. Porém, os médicos também operaram sua perna esquerda, que não tinha qualquer lesão.
"Fiquei com as duas pernas com ferro lá, muitas horas", contou. Pouco depois, a equipe médica realizou outro procedimento, para retirar o colocado na perna que estava sem ferimentos. "Foram retirando os ferros tudo e colocando dentro de um saco de lixo", falou.
As cirurgias de Sebastião custariam R$ 1640,20 na tabela SUS. A Medtrauma recebeu do Governo de Roraima quase R$ 5 mil, três vezes mais que a tabela.
MATO GROSSO
Em Mato Grosso, a Medtrauma tem contrato com Governo do Estado para realizar todos procedimentos clínicos e cirúrgicos na área ortopédica na Capital e interior. Porém, o contrato vai além, e permite a empresa fornecer órteses, próteses e materiais usados nas cirurgias e procedimentos ortopédicos.
"Não é razoável que a mesma empresa que indica a cirurgia é a mesma empresa vende o material e a mesma empresa que apresenta a conta dos serviços para a administração pública. Isso é claramente um conflito de interesses", seguiu Walter Cintra Ferreira.
Em Mato Grosso, a antiga fornecedora de materiais ortopédicos foi apenas comunicada do fim da relação com o Governo do Estado. "Já fornecemos há muitos anos e de repente recebemos comunicação que nosso contrato seria suspenso com alegação de que foi aderida ata com empresa médica", disse Frederico Aurélio Bispo, representante da Síntese Comercial Hospitalar.
Leia abaixo a integra da nota:
Os médicos que relataram falta de pagamento são funcionários da empresa Medtrauma, que está sendo investigada por irregularidades em vários estados;
Em 19 de fevereiro a Prefeitura de Cuiabá emitiu o Decreto nº 10.058, suspendendo as atividades de OPME (órteses, próteses e materiais especiais) da empresa com a ECSP e em 23 de fevereiro todas as atividades da Medtrauma na rede municipal foram encerradas;
Por determinação do Decreto, todos os processos da Medtrauma foram enviados para a Controladoria Municipal, para serem auditados;
A diretoria da Empresa Cuiabana está em tratativas com o Tribunal de Contas para conseguir a anuência para realizar o pagamento direto aos médicos, sem ferir o cumprimento do Termo de ajustamento de Conduta (TAC) determinado à Secretaria Municipal de Saúde.