BRUNO BUCIS
DO METRÓPOLES
Nos últimos três anos, a vida do pequeno Luan Cardoso Oliveira, de 10 anos, era de dores constantes, 24 horas por dia. Ele tem uma doença extremamente rara, a síndrome de Hallervorden-Spatz, que afeta o cérebro formando uma espécie de olho de felino que aparece nos exames de imagem — por isso, a condição ficou conhecida como “doença do olho de tigre”.
A síndrome é uma doença neurodegenerativa genética e rara que foi descrita pela primeira vez em 1992. Ela altera a forma como o corpo processa o ferro, gerando substâncias tóxicas responsáveis por um descontrole dos movimentos e dores semelhantes a cãibras o tempo inteiro.
No caso de Luan, a torsão do corpo causava até um comprometimento do desenvolvimento cardíaco, já que seu corpo ficava excessivamente arqueado para trás.
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O diagnóstico só veio aos sete anos. Desde pequeno, o menino tinha uma leve dificuldade para falar e caminhar, o que levou os médicos a suspeitarem de um autismo leve. O quadro, porém, começou a piorar e a família descobriu que Luan tinha a doença através de exames de imagem.
“Ele começou a regredir e fomos atrás para entender o que estava acontecendo. O médico que deu o diagnóstico falou que não tinha nada a ser feito por ele, eram só remédios paliativos e ele ia morrer assim. Não aceitamos, fomos pesquisar até achar a cirurgia que podia ajudar ele”, conta Edilene Araujo, mãe do pequeno.
A família começou a arrecadar dinheiro em uma campanha de financiamento coletivo para custear uma cirurgia que controlasse os sintomas do menino. O procedimento inovador só tinha sido feito no Brasil uma única vez, em 2021, pela mesma equipe que fez a cirurgia de Luan em 21 de julho no Instituto de Neurologia de Goiânia (ING).
Após uma mobilização nas redes sociais, a família conseguiu reunir R$ 660 mil para pagar a cirurgia. “Foi mais de um ano e meio de campanha, da gente indo para a internet todos os dias pedir ajuda. Esse valor é muito, muito alto e lutamos até conquistar”, celebra a mãe do menino.
Como a cirurgia controla a doença do olho de tigre
O procedimento durou cerca de 11 horas. Ele foi chefiado pela neurocirurgiã goiana Ana Maria Moura e, com auxílio de outros 14 profissionais, foram instalados dois eletrodos no cérebro do menino.
Estes eletrodos funcionam como uma espécie de marcapasso cerebral, controlando os impulsos elétricos do cérebro e ajudando a modular os sinais da doença. O tratamento com estimulação cerebral profunda (DBS, em inglês) é feito também para tratamento de outras condições, como o Parkinson, mas ele é mais complicado para controle da doença do olho de tigre.
“Embora seja usado o mesmo material das cirurgias do Parkinson, é preciso colocar os eletrodos em uma outra região do cérebro. Enquanto os sintomas da demência são controlados na área cerebral chamada de núcleo subtalâmico, os da síndrome do Luan precisam chegar no globo pálido interno, que tem um acesso bastante desafiador”, explica a médica.
A melhora do quadro do menino foi praticamente imediata após o procedimento. Luan conseguiu se sentar e até dançou com a equipe médica. “Estamos muito otimistas quanto à melhora na qualidade de vida do Luan e continuaremos acompanhando seu progresso de perto”, completa Ana Maria.
O garoto ainda tem pela frente um período de recuperação e reabilitação que deve ser feito de perto. Por isso, a família se mudou momentaneamente da Bahia para Goiânia, onde deverá ficar por mais dois meses, pelo menos.
Embora controle os movimentos e aumente a qualidade de vida do paciente, o procedimento não é considerado uma cura para a condição, que continua sendo desafiadora. Devem ser feitos ajustes periódicos dos eletrodos de acordo com a evolução do paciente, e o tratamento deve ser combinado com uma reabilitação multidisciplinar envolvendo fisioterapia, fonoterapia e psicologia, entre outros.