ELISA RIBEIRO
DA REDAÇÃO
O promotor de Justiça Sérgio Silva da Costa recorreu à 7ª Vara Criminal de Cuiabá para que o Juízo reveja a própria decisão e decrete a prisão de um grupo de médicos e torne a secretária adjunta da Saúde do Estado, Caroline Campos Dobes Conturbia Neves, ré pelo crime de peculato.
A petição do MP-MT veio após a negativa do magistrado em receber a denúncia contra o ‘braço-direito’ do secretário de Estado de Saúde, Gilberto Figueiredo, e também de manter apenas medidas cautelares em substituição a prisão dos envolvidos. O juiz disse, em sua decisão, que não poderia decretar a prisão por falta de contemporaneidade, uma vez, que, os supostos crimes haviam sido cometidos durante a pandemia da covid-19, nos anos de 2020 a 2022, ou seja, há mais de 3 anos.
Contudo, o promotor disse que os envolvidos no cartel que lideraram um suposto esquema milionário de desvio de verbas por meio de contratos superfaturados e com direcionamento em licitações ainda atuam em parceira com o Estado. Além disso, revelou que há outras investigações em curso nos quais há envolvimento do grupo em outros crimes.
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‘Conforme mencionado, há inúmeras investigações em curso, todas contemporâneas, visando apurar outros crimes em processos licitatórios, peculatos e outros ilícitos, perpetrados pelos integrantes desta organização criminosa até o ano de 2023, que causaram prejuízo imensurável para a população mato-grossense, especialmente no momento de pânico e caos da saúde mundial’, pontuou.
O Ministério Público Estadual (MPE) requereu a prisão dos médicos/empresários Luiz Gustavo Castilho Ivoglo, Osmar Gabriel Chemin, Carine Quedi Lehnen Ivoglo, Bruno Castro Melo, Gabriel Naves Torres Borges, Alberto Pires de Almeida, Renes Leão Silva; e dos também médicos Catherine Roberta Castro da Silva Batista Morante, Marcio Matsushita, Luciano Florisbelo da Silva, Samir Yoshio Matsumoto Bissi, Euller Gustavo Pompeu de Barros Gonçalves Preza; bem como da contadora e professora Alexsandra Meire Perez, da secretária Maria Eduarda Mattei Cardoso, do enfermeiro Elisandro de Souza Nascimento e do servidor público e militar da reserva Marcelo de Alécio Costa.
Eles são acusados de integrarem uma suposta organização criminosa que teria atuado a partir da contratação de médicos para o Hospital Metropolitano de Várzea Grande, favorecendo a LB Serviços Médicos para o desvio de dinheiro público. Os fatos foram apurados na Operação Espelho.
No último dia 30, o Ministério Público do Estado (MPE) protocolou um Recurso em Sentido Estrito, após o juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra aceitar parcialmente a denúncia e deixar de decretar a prisão do grupo, por falta de contemporaneidade.
O promotor rebateu o argumento do magistrado e lembrou que os crimes apurados teriam sido cometidos até 2023, causando “prejuízo imensurável para a população mato-grossense”. A alegada organização criminosa teria atuado durante a pandemia da Covid-19, mediante a inexecução dos serviços contratados, possibilitando o desvio de recursos.
Outra justificativa apresentada pelo membro ministerial é que a investigação é complexa e inúmeros inquéritos policiais ainda estão em andamento, situação que autoriza o reconhecimento da contemporaneidade das práticas criminosas.
“Estamos diante de uma ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA responsável pela prática de crimes que trouxeram danos imensuráveis ao erário e à população mato-grossense, o que “per si” traz consigo a necessidade das medidas coercitivas, sendo a medida de prisão preventiva necessária diante da extrema gravidade revelada pelo desvalor das condutas criminosas”.
O promotor também ressaltou que, em liberdade, os investigados podem prejudicar as investigações e ameaçarem as testemunhas do caso.
“Mulher da SES”
Outro pedido feito pelo promotor é para que a secretária adjunta da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Caroline Campos, vire ré na ação penal pelo crime de peculato.
Diferente do que entendeu em relação aos demais investigados, o juiz afirmou que não havia provas da conduta dolosa por parte da acusada para ela respondesse o processo. Essa justificativa, para o promotor, tratou-se como um “verdadeiro juízo de valoração das provas colhidas na fase inquisitorial”.
Ele ressaltou que a autoridade policial reuniu mais outras provas que demonstram que Caroline agia como um “braço” da alegada organização criminosa, ao se esquivar dos pareceres da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que era contra a contratação da LB, diante dos preços abusivos.
“Consoante apontado, além de ser a responsável pelo setor de Gestão Hospitalar, cuja atribuição contemplava a contratação de empresas para fornecimento de serviços médicos e hospitalares na rede de saúde estadual, CAROLINE CAMPOS DOBES CONTURBIA NEVES tinha o dever legal e republicano de velar pela melhor contratação para o Estado, saltando aos olhos suas condutas de enfrentamento aos pareceres da PGE-MT que denunciavam o conluio de preços entre as empresas integrantes da ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, como também, a oferta de preço abusivo e fora da prática do mercado, combinadas com as conversas via WhatsApp onde os demais membros da organização criminosa falavam justamente sobre a “mulher da SES” que “peitaria” o parecer da PGE”, frisou o promotor.
Por conta da negativa do juiz, o MPE, inclusive, aditou a denúncia, imputando também o crime de organização criminosa por parte de Caroline (o aditamento ainda não foi analisado).
“Frisa-se que os fatos vertidos no aditamento da denúncia demonstram que CAROLINE CAMPOS DOBES CONTURBIA NEVES não apenas orientou os membros integrantes do grupo criminoso quanto à forma que deveriam prosseguir para lograrem êxito nos processos licitatórios, notadamente os referentes a UTI COVID nos Hospitais Municipais e Regionais de Mato Grosso (“meninas dos olhos” destes processos licitatórios em decorrência do alto valor do contrato e a quase ausência de fiscalização e prestação de contas), como também, mesmo com os alertas da Procuradoria Geral do Estado quanto à pratica de preço abusivo e combinação das propostas, assegurou que as empresas do grupo criminoso fossem contratadas de forma mais onerosa para o Estado, possibilitando com isso os desvios de recursos públicos ora combatidos”, diz outro trecho do recurso.
Agora, o recurso será analisado pelo juízo. Em caso de outra decisão negativa, os autos serão remetidos ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
O caso
Os fatos apurados na Operação Espelho envolvem os contratos celebrados entre a empresa LB Serviços Médicos Ltda, atual LGI Serviços Médicos Ltda, e a Secretaria de Estado de Saúde, para prestação de serviços hospitais e médicos no Hospital Metropolitano de Várzea Grande e no Município de Guarantã do Norte. Um dos contratos foi celebrado para a disponibilização de médicos infectologistas, no valor de R$ 1.155.600,00. O outro, serviu para a disponibilização de cirurgiões gerais e custou R$ 1.445.040,00.
As investigações iniciaram após a suspeita de que a empresa estaria disponibilizando quantidade menor do que a contratada de profissionais e com carga inferior ao previsto. Após diligências, foi encontrado no Hospital Metropolitano de Várzea Grande um livro de pontos, com anotações no dia 19 de julho de 2020, com as informações “manhã ninguém”, “tarde ninguém” e no dia 8 de agosto do mesmo ano, “pela manhã ninguém”, quando quem deveria estar presente era o médico plantonista Willian Benedito.
Conforme o Ministério Público, as investigações avançaram e identificaram uma ampla organização criminosa constituída por empresários, médicos e funcionários das empresas envolvidas, com o objetivo de fraudar a administração pública, a partir da inexecução de contratos (com pagamento de plantões médicos que não foram prestados), adulteração de folhas de ponto, peculato e fraudes à licitação.
Os fatos ocorreram na pandemia da Covid-19, ao longo do ano de 2020 e 2021. Para o MPE, o grupo agiu com ganância, já que se aproveitou da situação para desviar dinheiro público, uma vez que nesse período de calamidade pública os contratos do Estado estavam sendo celebrados com urgência, o que dispensava o regular processo licitatório.
O MPE pediu a condenação dos acusados pelos crimes apurados e requereu o pagamento de mais de R$ 57,5 milhões pelo rombo causado.
Outro lado
A Defesa de empresas que são investigadas não quiseram se manifestar. Até o fechamento dessa matéria a SES não se posicionou.