PAULA VALÉRIA
DA REDAÇÃO
O projeto de lei 1904/24, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), propõe equiparar o aborto em gestações acima de 22 semanas a homicídio, mesmo nos casos resultantes de estupro. No entanto, Cavalcante declarou nesta quarta-feira (19), que o texto poderá ser alterado durante as discussões na Câmara dos Deputados. Algumas das mudanças cogitadas incluem o aumento de penas para estupradores e o estabelecimento de acompanhamento psicológico como única medida socioeducativa para adolescentes que abortarem nessas condições. Cavalcante enfatizou que a intenção do projeto é punir médicos e outros agentes de saúde envolvidos, não as meninas vítimas de estupro.
Já a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados, Ana Pimentel (PT-MG), criticou o projeto de lei, afirmando que ele não melhora a vida das meninas e mulheres. Segundo Pimentel, o Parlamento deveria focar em discutir formas de reduzir os casos de estupro, em vez de aumentar as penas para o aborto em casos de estupro. Ela ressaltou que a maioria dos estupros no Brasil ocorre com meninas de até 13 anos, frequentemente vítimas de familiares e conhecidos, e que essas meninas muitas vezes têm dificuldade até de identificar a gravidez.
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Adiamento da discussão
Na última terça-feira (18), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que o projeto de lei sobre o aborto (PL 1904/24) será debatido no segundo semestre, após o recesso parlamentar. A discussão será conduzida por uma comissão composta por representantes de todos os partidos, permitindo um debate amplo e inclusivo sobre o tema.
A presidente da Comissão da Mulher destacou, porém, que o adiamento foi fruto da mobilização da sociedade brasileira, especialmente das mulheres. Para ela, é importante debater a legislação sobre o tema, já que o Código Penal é de 1940, mas no sentido de proteger a vida das mulheres e crianças.
“Uma mulher que sofre estupro ser criminalizada mais do que aquele que comete o estupro, isso ser colocado em regime de urgência na Câmara? Os deputados precisam ser cobrados por essa perversidade, nós não podemos naturalizar esse tipo de debate público na nossa sociedade”, avaliou a deputada.
Já o autor do projeto ressaltou que a Câmara dos Deputados, com representantes eleitos pelo povo, é o espaço certo para o debate e critica "partidos de esquerda", por levarem a discussão para o Supremo Tribunal Federal (STF).
“Aqui é o lugar deste debate", defendeu Sóstenes. "Havia um entendimento no Colégio de Líderes que a matéria seria um pouco mais pacífica, mas as feministas fizeram muito barulho, querem debater o assunto e nós não fugimos do debate hora nenhuma”, disse.
Sóstenes Cavalcante declarou que a apresentação do projeto de lei foi motivada pela decisão do STF que suspendeu resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) proibindo médicos de realizarem a chamada assistolia fetal para interromper gravidez resultante de estupro após 22 semanas de gestação.
técnica de assistolia fetal, que utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto antes de sua retirada do útero, é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para casos de aborto legal acima de 22 semanas de gestação. No Brasil, a interrupção da gravidez não é considerada crime em casos de estupro, risco de vida da mãe ou anencefalia fetal (má formação do cérebro do feto).
O deputado Sóstenes Cavalcante afirmou que prefere seguir as diretrizes do Conselho Federal de Medicina (CFM) do Brasil em vez das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ele considera a técnica de assistolia fetal cruel e acredita que a questão central do debate deve ser se um feto de 22 semanas, ou cinco meses e meio, é um ser humano.
“A OMS diz uma coisa, o CFM do Brasil diz outra. Sou brasileiro, fico com o Conselho Federal de Medicina”, disse o parlamentar.
“Na minha avaliação, é um ser humano, porque a OMS diz que extra útero materno ele poderá sobreviver, lógico que com equipamento neonatal até chegar à idade madura do pulmão", afirmou. "Se isso é um ser humano, se alguém mata esse ser humano, quem diz que isso é homicídio não sou, é o Código Penal brasileiro”, complementou.
No entanto, a deputada Ana Pimentel, que também é médica, contrapôs a posição de Sóstenes ao afirmar que a viabilidade de fetos de 22 semanas sobreviverem fora do útero é rara. Ela argumentou que, se fosse possível para um feto de 22 semanas viver independentemente, a gestação humana duraria 22 semanas em vez de 38 a 40 semanas.
Sóstenes disse ainda que “quiseram vitimizar a mulher no debate”, mas a proposta prevê que o juiz pode mitigar a pena da mulher. Ele acredita, por outro lado, que o médico ou agente de saúde que pratica a interrupção da gravidez deve ser “punido exemplarmente”. “Meu olhar está na defesa do bebê em primeiro lugar e na punição de quem pratica esse aborto”, salientou.
Decisão técnica
Ana Pimentel ressaltou que, em nota publicada ontem, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo) disse que a resolução do CFM proibindo a assistolia fetal é antiética e se desvia das recomendações da OMS, que é contra a imposição de limites de tempo ao aborto legal.
A deputada afirmou que está havendo ideologização e politização de um procedimento técnico, que é o melhor para esses casos. “Se a assistolia fetal for impedida no Brasil, na prática se está inviabilizando o procedimento de interrupção da gravidez acima de 22 semanas”, argumentou. “Não acho que seja objeto de nossa atuação parlamentar legislar sobre tipos de procedimentos técnicos, isso é a ciência que precisa fazer”, completou.
“A ciência já tem estabelecido isto: que antes da 29ª semana [de gravidez] não se pode falar em sofrimento fetal”, acrescentou.
Protesto contra o projeto
Manifestantes, em sua maioria mulheres, se reuniram em frente a uma das entradas da Câmara dos Deputados para protestar contra o projeto.
O protesto foi organizado pelo movimento da sociedade civil Criança Não é Mãe, composto sobretudo por entidades feministas, e pede o arquivamento do projeto.
A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) participou do protesto e endossa o pedido. Ela apresentou, juntamente com a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), requerimento nesse sentido à Mesa Diretora da Câmara. Para as deputadas, o PL 1904/24 viola os direitos constitucionais à vida, a igualdade e a não discriminação. O argumento é de que o projeto “impõe distinções entre pessoas que têm igual direito ao aborto legal e devem dispor da mesma atenção para a concretização desse direito, conforme as particularidades de seus casos”.
Elas argumentam ainda que a proposta viola a proibição constitucional à tortura, tratamento desumano e degradante. "O projeto conduz as vítimas de estupro a um cenário de manutenção compulsória dessas gestações, violando frontalmente o direito constitucional dessas vítimas de não serem submetidas à tortura ou a tratamento cruéis e desumanos", afirmam.
Fonte: Agência Câmara de Notícias