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26 de Fevereiro de 2024, 08h:15 A- A+

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Entenda o que é verdade e fake news sobre o caso de abuso sexual infantil na Ilha de Marajó

Saiba o que é verdade e o que são informações fake news sobre a situação de crianças na Ilha do Marajó, no Pará; governo federal afirma que dados são falsos

PAULA VALÉRIA
DA REDAÇÃO

Você deve estar se pergunta se realmente existe a exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó, no Pará? A resposta é sim. Mas, primeiramente, precisamos entender o que está acontecendo de fato e o que está sendo divulgado com a fake news. Um dos fatos reais, sobre subnotificação de casos de pontos vulneráveis á exploração sexual de crianças e adolescente não está somente no estado do Pará e sim por todo o país. Conforme dados do Projeto Mapear da Polícia Rodoviária Federal (PRF), referentes ao biênio (2021/2022), demonstrou que o país tem 9 mil pontos vulneráveis. Entre eles estão os estados do Espírito Santo, Ceará e Paraná.

Canção da cantora gospel Aymeê Rocha

Na última quinta-feira (15), a canção autoral da cantora gospel Aymeê Rocha, durante apresentação na semifinal do programa "Dom Reality", competição musical entre artistas do universo gospel, com transmissão no YouTube, ganhou destaque ao denunciar a exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó, localizada próxima a Belém, no Pará. 

Com letras impactantes, com uma interpretação da música “Evangelho de Fariseus”, a artista apresentou a canção abordando temas sensíveis e reais enfrentados pela população da ilha do Marajó. Temas como prostituição infantil e tráfico de órgãos, além de críticas à forma como essas questões são tratadas pela sociedade e pela igreja brasileira. 

"Marajó é uma ilha a alguns minutos de Belém, minha terra. E lá tem muito tráfico de órgãos. Lá é normal isso. Tem pedofilia em nível hard. As crianças de 5 anos, quando veem um barco vindo de fora com turistas".  A artista ainda acrescentou "Marajó é muito turístico, e as famílias lá são muito carentes. As criancinhas de 6 e 7 anos saem numa canoa e se prostituem no barco por R$ 5", afirmou Aymeé, em frente aos jurados, depois de apresentar a canção autoral.

Na mesma ocasião, Aymeê criticou a apatia da população brasileira diante da calamidade pública que denunciou. "Jesus me fala que às vezes nós, cristãos, terceirizamos muito para o governo o que é de responsabilidade nossa, como cristãos", concluiu a jovem cantora.

A canção mobilizou artistas e influenciadores digitais como: Virginia Fonseca, Carlinhos Maia, Deolane Bezerra, Rafa Kalimann, Eliezer, entre outros, que estão usando as redes sociais para replicar denúncias de exploração sexual de crianças e tráfico de pessoas menores de idade, cobrando ações dos governos federal e estadual. 

Porém, o fato causou incomodo para algumas organizações não-governamentais com o tom das celebridades. Alegando para a estigmatização da população marajoara, para propagação de desinformação, além de tentativas de se criar pânico moral.

Quadro de exploração infantil na Ilha de Marajó

A violência sexual contra crianças e adolescentes no Marajó é sim, de fato, uma realidade grave e reconhecida tanto pelo Ministério Público Federal (MPF) como pelas promotorias estaduais do Pará.

Segundo dados do Ministério Público do Pará (MP-PA), em 2022 foram abertos 550 processos de crimes cometidos contra crianças e adolescentes em todos os 17 municípios do arquipélago do Marajó, como média de 1,5 registro por dia. A estatística também inclui dados do município de Oeiras do Pará, que passou a ser considerado parte do Marajó.

 Em nota, o MP-PA afirmou que "a violência sexual acaba por ter uma maior projeção no Arquipélago do Marajó, uma vez que encontra um terreno fértil de outras violações de direitos, sobretudo considerando que a região abriga alguns dos piores IDHs do Brasil”.

De acordo com dados do MP-PA, a região do Marajó registrou uma taxa de 69 casos de estupro de vulnerável de crianças e adolescentes para cada 100 mil habitantes.

Segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano, que se baseia em dados do Censo de 2010, os 17 municípios da região, 14 figuram entre os de pior Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDH-M) na listagem de 5.565 cidades brasileiras.

Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 mostrou que o nível nacional, foram contabilizadas 56.820 ocorrências de estupro de vulnerável em 2022 com vítimas abaixo de 13 anos, ou de qualquer faixa etária no caso de deficiência ou uso de entorpecentes. O número representa 28 casos a cada 100 mil habitantes.

Já em nível estadual, o Pará concentrou 3.732 ocorrências desse tipo no período. A taxa proporcional, de 46 casos para cada 100 mil habitantes, é uma das maiores do país, atrás de Roraima (87,1), Acre (67,1), Amapá (64,5), Mato Grosso do Sul (64), Tocantins (56,2) e Rondônia (46,8).

Em relação à exploração sexual de crianças e adolescentes, foram registrados 889 casos no Brasil em 2022, dos quais 29 ocorreram no Pará, o que representa uma taxa de 1,8 caso a cada 100 mil habitantes no país e 1,2 a cada 100 mil no estado. Desses, cinco ocorreram em municípios do Marajó, o que representa uma taxa de 0,85 ocorrência a cada 100 mil habitantes — menor do que as médias nacional e estadual.

Um dos problemas dos dados sobre violência sexual, no entanto, é a subnotificação. Conforme dados do Projeto Mapear da Polícia Rodoviária Federal (PRF) referentes ao biênio (2021/2022), apresentados no dia 31 de maio de 2023, em Brasília, pela coordenadora-geral de Direitos Humanos da PRF, Liamara Pires, demonstrou que o país tem 9 mil pontos vulneráveis. Entre eles está o estado do Espírito Santo, Ceará e Paraná.

Através da PRF, foram identificados mais de 9.745 pontos como postos de combustíveis, restaurantes, hotéis, pousadas, casas noturnas. A cada ponto catalogado e georreferenciado pelos policiais, é atribuído um grau de risco de exploração sexual, que pode ser classificado em pontos de baixo, médio, alto e crítico.

Em 2023, a PRF realizou três grandes operações nesses pontos vulneráveis em diferentes horários do dia na tentativa de flagrar irregularidades. Como resultado, houve 11 flagrantes de crimes de exploração sexual ilegais e 102 pessoas foram detidas. A PRF ainda realizou 138 resgates de menores em situação de vulnerabilidade, como o trabalho infantil, desacompanhados de um adulto ou em locais de consumo de bebidas alcóolicas, antes de eles serem vítimas de abusos sexuais.

Denúncias da ex-ministra Damares

Em 2022, durante um discurso em uma igreja evangélica, a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves (Republicanos-DF), hoje senadora, informou ter recebido denúncias de que crianças da região tinham seus dentes arrancados para facilitar o sexo oral e eram obrigadas a comer comida pastosa para facilitar o sexo anal.

Já sabemos que Marajó de fato registra centenas de denúncias de crimes sexuais contra crianças e adolescentes todos os anos, porém os casos citados pela ex-ministra não foram comprovados e o Ministério Púbico Federal entrou com uma ação civil pública contra Damares pelas alegações. 

O MPF pediu a Damares informações detalhadas. Porém, ela afirmou que as denúncias eram embasadas em "relatos que ouvira nas ruas e que não conseguiria apresentar provas".

Após a repercussão da fala,  de acordo com o MPF, a atitude teria propagado fake news e causado danos sociais e morais coletivos à população do arquipélago. Por isso, o órgão pediu retratação pública e indenização de R$ 5 milhões por parte da senadora. O caso aguarda julgamento na Justiça Federal.

O órgão argumetou que, em 30 anos, nunca recebeu denúncias semelhantes e acrescentou que os registros compartilhados pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos após requisição do MPF eram ‘desorganizados’ e ‘genéricos’.

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Denúncias em 2006 do bispo emérito de Marajó

Outra denúncia semelhante aconteceu em abril de 2006, quando o bispo emérito de Marajó, Monsenhor Dom José Luiz Azcona, apresentou denúncia formal ao governo federal, na época governado pelo atual presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT), e ao presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHM), na Câmara dos Deputados Federais, em Brasília, sobre casos de adolescentes que estariam sendo vítimas de exploração sexual em Portel (PA), também em Marajó.

Na época, o presidente da comissão, o deputado Luiz Couto (PT-PB), chegou a viajar para o Pará, com o objetivo de apurar denúncias que apontavam a existência de uma rede de prostituição infantil na região próxima à Ilha de Marajó. O relatório da viagem, trouxe depoimentos de vítimas. Parte delas acusava dois vereadores locais por estupro de menores. Os fatos foram imediatamente levados ao conhecimento do Conselho Tutelar.

Há mais ou menos três décadas, o bispo Dom José Luis Azcona denuncia as mazelas da região de Marajó e a exploração sexual de crianças no arquipélago. A autoridade religiosa foi fundamental para a instalação da CPI da Pedofilia na Assembleia Legislativa do Pará e no Congresso Nacional, nos anos de 2009 e 2010. Em 2015, ele chamou atenção para casos em que as crianças se ofereceram aos ocupantes de balsas com o consentimento da própria família. Os fatos tiveram repercussão nacional.

Em 2023, Dom José Luis Azcona recebeu um pedido da representação diplomática do Vaticano no Brasil para que deixasse a região. A população local reagiu ao fato com uma série de protestos, reivindicando a permanência do bispo emérito na ilha amazônica. Os membros da Prelazia do Marajó também se reuniram e enviaram uma carta à Nunciatura no Brasil, e a decisão foi revista.

AGU vai investigar sobre fake news 

O ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, afirmou neste sábado (24) em uma rede social que o órgão vai investigar se "redes de desinformação" atuaram para espalhar informações falsas sobre a situação de crianças na Ilha do Marajó, no Pará. A investigação, segundo Messias, será coordenada pela Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia (PNDD).

"Determinei à PNDD que atue imediatamente na identificação de redes de desinformação, que criam desordem informacional sobre a Ilha de Marajó. Os marajoaras merecem respeito e um tratamento digno de todo o Poder Público", publicou Messias. "O Governo Federal está empenhado em apurar denúncias sérias para desarticular redes de tráfico humano e exploração sexual e infantil em todo o território nacional. Protejamos as nossas crianças sem a propulsão de notícias falsas!", prosseguiu.

Segundo o governo, as imagens e informações divulgadas por influencers e artistas, que citavam um suposto aumento da violência e da exploração infantil na Ilha do Marajó, "é falso". Havia inclusive vídeos gravados em outros países e divulgados como se fossem no Brasil.

Ministério dos Direitos Humanos alerta para fake news sobre Marajó

O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania divulgou nota nesta última sexta-feira (23) em que alerta para divulgação e compartilhamento de "fake news" sobre cancelamento de ações e projetos do governo federal na Ilha do Marajó, no Pará. O ministro da pasta, Silvio Almeida, divulgou vídeo condenando a divulgação das falsas informações.

“É preciso inverter lógica assistencialista e modos de vida da população do Marajó. Possuímos o compromisso de não associar imagens de vulnerabilidade socioeconômica ou do próprio modo de vida das populações do Marajó, em especial, crianças e adolescentes". diz nota da pasta.

A nota também informa que, em maio de 2023, foi criado o Programa Cidadania Marajó, com recursos para o combate à violência contra crianças e adolescentes e promoção de direitos humanos e acesso a políticas públicas. O programa também está em articulação com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Polícia Federal e o Ministério da Defesa, para promover ações de monitoramento especial de fronteira contra o crime organizado, além de acionar empresas que operam na rota fluviomarítima do Marajó em ações de prevenção e enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes e ao tráfico de pessoas.

O Programa Cidadania Marajó, por meio da Portaria nº 292, de 17 de maio 2023, tem como propósito de promover a cidadania, garantir os direitos fundamentais e combater a exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. Essa iniciativa é uma oportunidade de retomada do diálogo constante com a sociedade civil, comunidades locais e outras entidades governamentais.

As ações do programa já estão em pleno desenvolvimento e contam com uma integração efetiva de diversos órgãos governamentais, bem como o apoio essencial do setor privado.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, o ministro Silvio Almeida também condenou a divulgação das informações falsas e qualificou como oportunista a conduta de grupos que se aproveitam da realidade da região para agir em nome de interesses próprios.

“Como também demonstro respeito à população de Marajó, rechaçando toda iniciativa desses oportunistas, que nunca fizeram nada pelo povo de Marajó, mas sempre tentam usar imagens do povo de Marajó, e imagens de crianças e adolescentes, para querer fortalecer as suas bandeiras, que são feitas em nome de interesses próprios, não nos interesses do povo brasileiro”, afirmou o ministro.

"Devemos rechaçar todas as tentativas de oportunistas que nunca fizeram nada por Marajó, mas que sempre tentam usar a imagem da população marajoara e a imagem de crianças e adolescentes para fortalecer bandeiras com interesses próprios, e não em nome dos interesses do povo brasileiro", declarou o ministro.

Acompanhe o vídeo com a fala do ministro:

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